O algoritmo

Os algoritmos escolhem por nós, afunilam o horizonte e falham grandemente.
Vamos mesmo retirar o factor humano do cenário?

Esta semana aconteceu-me isto.
No supermercado do bairro, em conversa com o repositor, perguntei pelos meus iogurtes preferidos, Davaca (nacionais, produzidos em Elvas). Prateleira vazia, apenas dois sabores em permanência e quantidade, sempre: figos com canela e doce de leite. Naturais, nada, esgotados. Estão sempre esgotados, insisti eu. Resposta simpática (mas vagamente frustrada, também ele): sabe, a reposição é feita por um algoritmo, é o algoritmo que decide o que é encomendado e quando.
A marca tem pelo menos 11 sabores, todos eles gulosos, mas ali só há, sempre, estes dois. E sem grande saída, porque a prateleira deles está sempre cheia. Mas um qualquer algoritmo interpreta os dados de uma forma incompreensível e remove da lista o iogurte mais procurado, em permanente ruptura de stock e outros sabores, como singela baunilha, ou cereja, ou frutos vermelhos. Qual é a veracidade desta interpretação? Não mais que 50%, certamente.

Então a pergunta que se impõe, é: que benefício nos traz esta remoção do factor humano na equação? Claramente, nenhum.

E este é um assunto com que me tenho debatido, muito, nos últimos tempos. Conversei com a Eliana Tomaz, que dá consultoria em estratégia comercial e é responsável de comunicação de outras marcas nacionais e internacionais, sobre este deslassamento das relações pessoais na esfera profissional.
Na perspectiva da Eliana, que partilho integralmente, “o mundo virtual desvirtuou as relações pessoais. Hoje, para muitos, infelizmente, chega um like ou um follow: é-lhes suficiente essa “ligação”, essa associação, essa ligeireza de compromisso. Este universo virtual faz parecer que tudo é muito fácil, rápido e barato.”

E eu pergunto: de onde vem esta informalidade nas relações profissionais? É certamente reflexo da proximidade virtual, de repente somos todos lá de casa, teremos andado juntos no liceu? Dispensamos uma apresentação básica, nome, apelido, função/cargo/profissão. Mas a falta que isso faz, para nos posicionar na grande ordem das coisas. E quando de facto nos queremos aproximar, saber mais, conversar de forma real, construtiva, sumarenta, ah, não, isso dá muito trabalho, não estou interessado, não tenho tempo, estou cheio de trabalho.
Really?

A Eliana diz que “as relações físicas e os contactos reais são a chave para o sucesso das marcas, seja no mundo do serviços ou dos produtos”. Fala pelas marcas que comunica ou pela sua, a Tomaz, onde toma a liberdade de testar tudo e mais alguma coisa: “a Tomaz é a Tomaz por causa das relações pessoais, das conversas longas, das explicações, dos pormenores.
Somos invadidos diariamente com informação, acredito que estamos num momento de rotura e tenho-me apercebido que as pessoas precisam mesmo de partilhar, de conversar. Quem conseguir manter relações pessoais/físicas com os clientes, ficará a ganhar grandemente”.

Perguntei-lhe: como aplicarias isso em marcas, como aconselhas e convences o teu cliente, qual é o argumento que o faz, pelo menos, parar para pensar? Achas que há um ponto específico onde a balança vira, um argumento ganhador?
A resposta é um cliché, mas que vale por ser comprovadamente verdade: ser honesto e mostrar a realidade da marca.
Ter uma boa narrativa, uma boa história. Fazer perguntas ao cliente. Ouvir as respostas. Ouvir as perguntas, ter as respostas. Ter uma estratégia bem montada, insistir. E estar à vista, disponível: participar em eventos, pop up shops, mercados, seminários, feiras, encontros, etc..

Simples, presente e real.

(este post foi publicado originalmente no site Simplesmente Branco, em Março de 2018)

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