E depois de tudo isto?
Mais dois ou três dias e passou um ano exacto desde que recolhemos a casa. Lembro-me com precisão desse dia, lembro-me com precisão de todos os planos e projectos que achei que iria retomar em breve, ao ponto de nem ter trazido para casa o meu computador principal, apenas o portátil, o caderno de notas e a agenda, com uma leveza apreensiva.
Nas primeiras semanas falámos muito uns com os outros, entre newsletters, telefonemas, posts e posts, e-mails, grupos no Facebook e o novíssimo Zoom, onde tudo parecia acontecer. Horas, dias a fio de headphones nos ouvidos.
Março, Abril, Maio, passaram-se assim, com muitas questões no horizonte, poucas respostas, uma imensa incerteza. Houve decisões reactivas (senti-o, de forma clara, no Simplesmente Branco), houve algumas acções pro-activas e houve, claro, uma contracção, um choque frontal com uma nova realidade que de repente pôs a nu as fragilidades de um sector que parecia bem estabelecido.
Vínhamos num crescendo de sucesso económico: nos últimos cinco anos o número de casamentos cresceu com suavidade, de forma consistente. O mercado Destination estava em alta (e já em ligeira queda), havia procura e estávamos todos em velocidade de cruzeiro, com a estrutura bem oleada, a época alargada, sem tempo para as miudezas do quotidiano ou cortesias de maior.
Visto de fora, parecíamos um sector. Mas infelizmente, e com grande custo para nós, não o somos, e o facto de não o sermos amplia o impacto da pandemia.
Estamos ainda bem longe dessa estrutura e cola agregadora e não é claro que o venhamos a ser. E se não o tentarmos, a fundo, com intenção e razão, a responsabilidade é apenas nossa.
E o que nos falta?
Do meu ponto de vista, dois pilares fundamentais: profissionalização, na sua expressão mais ampla, que vai muito além de sermos verdadeiramente competentes no que fazemos, e colectivização, essa visão de bem comum, partilhado entre todos.
Dou-vos exemplos: cobramos preços razoáveis pelos nossos produtos e serviços ao cliente (justos e dignos, do nosso ponto de vista), mas resistimos à ideia de gastar dinheiro (ou investi-lo?) a redigir um contrato equilibrado e justo com um bom advogado (que possivelmente teria sido uma imensa mais-valia neste contexto), procuramos um contabilista com um preço mínimo porque é obrigatório, cedemos na questão da factura, canibalizamos o trabalho do lado só porque queremos mais e mais, trabalhamos com muita informalidade fiscal, financeira e legal.
Falamos pela rama sobre muitas coisas do quotidiano, essencialmente as que nos chateiam individualmente (a concorrência, os noivos difíceis, os fornecedores cheios de presunção), mas pouco ou nada falamos sobre assuntos complexos (valores de mercado, certificação profissional, novas tendências) de forma profunda, reflectida, em busca de resposta ou solução. Ventilamos, não discutimos. Seguimos, não lideramos.
Formamos grupos, pequenos, locais, baseados na geografia e pequenos interesses. Estes grupos podiam ser satélites em redor de um colectivo maior, precisamente por terem interesses específicos, mas acabam por funcionar como perfeitos desconhecidos entre si, de costas voltadas, de forma bairrista. Cada grupo defende as suas necessidades específicas e basta-se por isso. E mesmo quando interpelado por um dos outros grupos, recusa-se a somar, prefere manter a sua pequena liderança e poder.
Num momento de apertão como este, em que o peso dos números seria a voz poderosa para nos fazermos ouvir, nada sabemos de factual para argumentar em nossa própria defesa: quantas empresas/profissionais somos? Qual é a facturação do mercado? Quantas pessoas emprega?
Neste ano ouvi de tudo, 8 mil empresas, 4 mil empresas, 10% do PIB, 4 mil milhões, toda a sorte de números-mistério e pouco fundamentados quando questionados, calculados em função da vantagem.
O inquérito que o João Lourenço lançou há umas semanas esboça timidamente um perfil: micro-empresas, muitas vezes familiares, com uma média de dois empregados, nem sempre a tempo inteiro. Quebras de facturação generosas, mas poucas mudanças a implementar para o ano que vem. É carregar no play assim que possível, e seguir, como antes.
Seguir, como antes.
Deixo esta grande questão: será isto saudável? Será o sector saudável? Será a vossa empresa, negócio, projecto saudável?
Esta é a avaliação que todos devemos estar a fazer.
É claro que ninguém resiste a um cenário pandémico, imprevisível e com esta escala, mas há alicerces (financeiros, fiscais, legais) para o solavanco? Há reflexão e pensamento crítico? Há análise, noção do passado e visão de futuro? Há segurança financeira ou profissional, é real ou aparente?
Paremos e olhemos para dentro, para as falhas, as fraquezas, os pontos críticos, e vamos consertá-los, antes de tudo. Encolher ou expandir, redireccionar ou afunilar, prever, precaver, solidificar. Discernir, com frieza, o que nos dá prazer fazer e o que nos dá retorno fazer, e encontrar o seu ponto de alavancagem saudável, deixar cair o que não cresce (por muito que isso nos arrase o ego)e procurar alimento para o que é frutuoso. Podar, intencionalmente e com disponibilidade, para um futuro próximo, que não acontece amanhã.
No sucesso dos dias, somos cigarras. 2020 demonstrou-nos que devemos ser formigas.
No meio está a virtude, talvez, um pouco de ambos poderá ser mais a nossa natureza, mas a frase do professor Sakellarides que ouvi há umas semanas na televisão, não me sai da cabeça: “sem planeamento chegamos sempre atrasados ao futuro”.